Crítica: A Pele Que Habito

Ficha Técnica

Direção: Pedro Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar, baseado em livro de Thierry Jonquet
Elenco: Bianca Suárez (Norma), Ana Mena (Norma), Teresa Manresa (Casilda), Elena Anaya, Marisa Paredes, Bárbara Lennie, Fernando Cayo, Jan Cornet, José Luis Gómez, Eduard Fernández, Isabel Blanco, Roberto Álamo, Susi Sánchez, Buika Violaine Estérez
Fotografia: José Luis Alcaine
Música: Alberto Iglesias
Direção de arte: Carlos Bodelón
Edição: José Salcedo
Produção: Pedro Almodóvar e Agustín Almodóvar
Estúdio: El Deseo S.A.
Distribuidora: Sony Pictures Classics (EUA) / Paris Filmes (Brasil)
Duração: 120 minutos
País: Espanha
Ano: 2011
COTAÇÃO: EXCELENTE



A opinião (por Fabrício Duque)

Poucos diretores causam tamanho alvoroço, leia-se ansiedade e curiosidade, na vida de um cinéfilo. Um deles é o diretor espanhol Pedro Almodóvar. O seu cinema é descarado, colorido, intenso, passional, verborrágico, libertador e possível, tanto ao espectador, quanto aos seus personagens, que sofrem, riem, choram e se vingam com extremo exagero. As situações, que podem ser consideradas absurdas, por utilizar reviravoltas incomuns, são críveis se observarmos o contexto apresentado. Almodóvar é um gênio, porque tem a sensibilidade, como característica intrínseca. Ele consegue captar a alma de seus personagens, os adjetivando, ao mesmo tempo, que os humaniza. “A Pele Que Habito” é o seu mais recente filme, que já nasce com inúmeras curiosidades. A mais importante, aos brasileiros, especialmente os que estão no Rio de Janeiro, é a participação no Festival do Rio 2011, e abrindo o evento, com presença da musa almodovariana Marisa Paredes. O filme também marca o retorno do pupilo do cineasta, Antonio Banderas, após vinte e um anos “sem querer trabalhar” com Pedro, sendo o 6º filme que trabalham juntos. Os anteriores foram “Labirinto de Paixões” (1982), “Matador” (1986), “A Lei do Desejo” (1987), “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos” (1988) e “Ata-me!” (1990). O mesmo caso acima aconteceu com Marisa também. Os anteriores foram “Maus Hábitos” (1984), “De Salto Alto” (1991), “A Flor do Meu Segredo” (1995), “Tudo Sobre Minha Mãe” (1999) e “Fale com Ela” (2002). Almodóvar imprime em seus roteiros o extermínio do determinismo biológico, tanto social e comportamental, quanto sexual. Tudo é permitido. Qualquer forma de prazer e ou gosto.


Os tabus, quebrados e apresentados como normais – dentro da imoralidade e “anormalidade” definida pela hipocrisia da sociedade, são inseridos aos poucos, palatáveis e em doses homeopáticas. Quando o diretor percebe que o espectador já está totalmente integrado e imerso à trama, ele despeja todos os outros elementos “anti-sociais”. Aqui, neste filme em questão, Almodóvar reinventa-se. Opta por outro caminho, fugindo do seu estilo único, como o uso de cores, definindo o que sempre fez como Kitsch, um termo de origem alemã usado para categorizar objetos de valor estético, distorcidos e ou exagerados, que são considerados inferiores a sua cópia existente, recorrendo ao uso de estereótipos e chavões que não são autênticos, a fim de tomar para si valores de uma tradição cultural privilegiada. “A Pele que Habito” comporta-se com realismo fantástico e científico, explorando o surrealismo e a estranheza como fio condutor. Richard Ledgard (Antonio Bandeiras) é um cirurgião plástico que após a morte da sua mulher num acidente de carro se interessa pela criação de uma pele com a qual poderia tê-la salvo. Doze anos depois, ele consegue cultivar esta pele em laboratório, aproveitando os avanços da ciência e atravessando campos proibidos como os da transgenia em seres humanos. No entanto, este não será o único delito que cometerá. Desde o início, há o desejo de aprisionar a quem assiste ao mundo claustrofóbico. A protagonista, presa em um quarto, enquanto molda os músculos com pilates, é observada por uma ampla televisão em alta definição. A música interage à ação, reverberando o solo de um violino. A naturalidade dos diálogos e das reações é sóbrio, extremamente natural, realista e visceral (na metáfora, no físico e na personalidade). “Tua pele era tão macia”, diz-se. São experimentos científicos, tornando pessoas, perfeitas, com peles resistentes e protegidas contra queimaduras e dores. “Nós não somos como todo mundo”, diz-se. O espectador pensa “Cadê os elementos bregas, inusitados e trashs?”.


Pois é, são poucos, porém existem, como a reviravolta familiar de um filho fantasiado de tigre. A sobriedade é sinal de maturidade, de transformação. O humor ácido, debochado, irônico, sem papas na língua está presente e recorrente, como parte essencial da trama. “A loucura está nas minhas entranhas”, exagera-se. Há também o universo pop, sempre referenciado por Almodóvar, quando utiliza música eletrônica; e a reiteração de personagens sem pudores, desprovidos de culpas e antiéticos, maniqueístas ao próprio interesse. As digressões explicam o passado e o porquê dos acontecimentos, juntando as peças do quebra-cabeça ao adicionar outra história. Assim, a trama segue equilibrada e arrumada, ponto ao sistemático diretor, que explora elementos, como espantalho, como um sapato, como uma pele, para que possa transpassar a sutileza da vingança, mesmo sendo explícita, do que permeia a tela. Ele paga na mesma moeda, com crueldade metódica. Uma dica ao espectador: atente ao menino em uma favela – porque se passa no Rio de Janeiro, com música brasileira emocional, dramática e trágica. “O tigre acabou comigo”, faz graça a protagonista Vera, chamada Vera Cruz, uma homenagem à produtora brasileira já extinta. É inevitável a surpresa, porque de Almodóvar se espera tudo. Até trabalhar a sexualidade a fim de desconstruir o próprio determinismo. “É bom perceber que eu posso surpreender após 30 anos, que estou mudando com os tempos. Eu desenvolvo três roteiros ao mesmo tempo, estou sempre trabalhando. E espero que todos sejam diferentes, pois gosto de me renovar”, finaliza o diretor. Concluindo, é genial, arrebatador, surpreendente, sóbrio e obrigatório. As filmagens ocorreram entre 23 de agosto e 19 de novembro de 2010. Seu orçamento estimado foi de US$ 13 milhões. Ganhou o Prêmio Vulcain do Artista Técnico no Festival de Cannes 2011.




O diretor

Pedro Almodóvar Caballero é um cineasta, ator e roteirista espanhol. Almodóvar nunca pôde estudar cinema, pois nem ele nem sua família tinham dinheiro para pagar seus estudos. Antes de dirigir filmes foi funcionário da companhia telefônica estatal, fez banda desenhada, ator de teatro avant-garde e cantor de uma banda de rock, da qual participava travestido. Foi o primeiro espanhol a ser indicado ao Oscar de melhor diretor. Homossexual assumido, seus filmes trazem a temática da sexualidade abordada de maneira sublime.
Seu ano de nascimento é incerto, sendo por vezes divulgado como 1949 e outras vezes como 1951. A página oficial do cineasta, no entanto, afirma que nasceu na década de 1950.

Filmografia

2009 - Abraços Partidos
2006 - Volver
2004 - Má Educação
2002 - Fale com Ela
1999 - Tudo Sobre Minha Mãe
1997 - Carne Trêmula
1995 - A Flor do Meu Segredo
1993 - Kika
1991 - De Salto Alto
1990 - Ata-me!
1988 - Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos
1987 - A Lei do Desejo
1986 - Matador
1984 – O que eu fiz para merecer isso
1983 - Maus Hábitos
1982 - Labirinto de Paixões
1980 - Pepi, Luci, Bom e outras chicas del montón


Bastidores