Por Fabricio Duque
“Depois da Chuva”, exibido na V
Semana dos Realizadores, representa o “olhar aos anos oitenta” de Cláudio
Marques e Marília Hughes, em uma “inspiração autográfica” de percepção crítica.
“Uma época de grandes utopias. Desejou-se muito (Diretas Já). Ser mais do que
era, uma potência exacerbada e com um final de frustração e desilusão”, disse o
diretor. “É um paralelo de transição do país com a juventude, por exemplo, a
comoção da morte de Tancredo Neves”, complementa a diretora. O filme apresenta
a “maturidade” do crescimento adolescente em uma época envolvida com a
mitigação de liberdades existenciais. A transgressão (ser diferente – nadando em
contracorrente) significava autoproteção às regras ditatoriais, principalmente de
estudantes de uma escola católica.
A pesquisa de Raquel Lisboa durou mais de um
ano e possibilitou criar um contundente paralelo entre ficção (escolha do
Presidente do Grêmio Estudantil) e a realidade das imagens de arquivo (as
eleições democráticas). “Todo mundo aqui sabe votar?”, questiona-se. O roteiro
insere questões sociológicas da época: o divórcio recente da mãe “ausente” e “alienada”
(pelos programas televisão e pela princesa de Mônaco, Grace Kelly), o clichê caricato
da ditadura e de limite aceitável pela escola (Geraldo Vandré em “Para não
dizer que não falei das flores”), os amigos mais velhos (transgressores ao modo
deles – único e quase individual – a Radio Pirata, por exemplo, “anarquia não é
bagunça”), as drogas, a sensação de perda social, discurso utópico, ingênuo
(escrever “Demencracia” na prova) e radical; e a vivências das “relações
silenciosas”.
O elemento musical ajuda a construir a atmosfera punk rock, com “Negue”
em versão hardcore, Sex Pixols, Patife Band (que abre o filme), Deveres de
Classe, Camisa de Vênus, entre outras, intensificado pela fotografia “suja”,
intimista e de desesperança. Os personagens (estudantes) buscam “acabar com a
reputação” massificada por regras “caretas”. Eles são a contracultura (em “autorevoluções”
coletivas). “Foi por confundir liberdade com bagunça que os militares tomaram o
poder”, diz-se. A narrativa metafórica busca a máxima de que não há mais
salvação. O caos reina e a “extinção” do ser (questionadora e libertária) será
iminente. Os “atores” amigos do personagem principal (Pedro Maia) são da
própria escola, assim a credibilidade torna-se mais natural. O filme transpassa
sutilezas das descobertas (do amor, morte, perda, carência, medo, resignação,
obrigação), fazendo com que o espectador seja capturado pela ambientação
visual, como a corrida no parque e o quase beijo adolescente. Concluindo, “um
filme bem rock”, repetindo as palavras do diretor de fotografia deste
longa-metragem que retrata sem pretensões os anseios e indecisões de uma época
de futuro confuso da História do Brasil.