O diretor brasileiro Fellipe
Gamarano Barbosa integra a trupe do Novíssimo Cinema Nacional, que traz entre
suas características a narrativa realista das ações cotidianas, buscando-se o
elemento documental “big brother” de não percepção da câmera dentro da
estrutura ficcional (às vezes com o propósito do amadorismo – a fim de não
iludir teatralmente o espectador), como por exemplo, “O Som Ao Redor”, de
Kleber Mendonça Filho. Em seu longa-metragem de estreia, “Casa Grande (ou a
Balada do Pobre Jean)”, Fellipe (do documentário “Laura”, que também
propositalmente, buscava confundir entre os limites da verdade e da fantasia
roteirizada – e que escreveu o roteiro de “Sangue Azul” e editou “AvantiPopolo”) referencia a atmosfera de “Viúvas Sempre as Quintas”, de Marcelo
Piñeyro, principalmente pelo recurso de apresentar todos os créditos na
abertura e pela recorrente câmera estática e por “planos sequência”. A trama
aborda a vida “controlada” e “mimada” de Jean, um filho (Thales Cavalcanti – um
ator estreante) de uma família da alta burguesia carioca, que vai à falência. Os
pais cortam despesas e Jean, que só se preocupava com garotas, vestibular e a
opção do curso (“Comunicação não é curso de gente séria”, preconceitos
enraizados – e pai dando “pitaco” no futuro – à busca de “onde está o tesouro”
– “Economia, o mais rico de todos”), estudante do Colégio São Bento – um dos
mais aristocráticos (e que, por coincidência ou não, foi o mesmo que Fellipe
frequentou), enfrenta pela primeira vez a realidade. O tema da “segregação
social” é constantemente questionado, como a cena em que Jean (da “Casa
Grande”) prefere estar com a empregada (na “senzala”) conversando “papos”
sexuais. Ele cria mais identificação com os “operários”, talvez pelo maior
tempo de convivência. Inevitavelmente, há no filme um maniqueísmo didático (a
eterna luta de classes – lembrando também “Santiago”, de João Moreira Salles),
como se cada um aceitasse o lugar “destinado”, “imposto” e “massificado” (uma
igualdade hipócrita e fútil – “Francês, uma língua praticamente morta”). O
roteiro “estimula” a opinião formada sobre as notícias, cotas da universidade e
a boate “Fosfobox” (“Não era gay?”). “Casa Grande” equilibra-se no limite tênue
da mitigação teatral e da novela. O discurso objetiva retratar “argumentos” forçados
de utopia clichê (“Nenhum patrão ganha um processo trabalhista no Brasil”),
como a superioridade do rico que “implica” com o ponto das Vans – Kombis – (que
é universo praticamente sem lei) e o “politicamente incorreto” (“Negra é um
gosto que se adquire com a idade”). Há moralismo versus necessidade. O filho
mimado que pega o ônibus pela primeira vez, que sente estranhamento (quiçá
medo) com a presença do “pobre” (e do “forró” na Lapa) e que repete as ideias
do pai. Cria-se constrangimento pelo “sadismo irado”, pela cadência natural e
pelo “surto” familiar descontrolado, hiperbólico e tombos (que devem ter
machucado) que usa a “poupança dos meninos” para resolver pendências
financeiras. Jean “resolve se desconstruir”. Busca os elos, fugas, desejos
libertários, opções radicais e redefinições (Vestibular da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, por exemplo). O final interage subjetivismos com
aproximações e aberturas de câmera. Concluindo, um filme que merece ser
assistido, mesmo com a visão unilateral e aristocrática da sociedade
brasileira, que “coloca” o “pobre” no patamar de mais pobre e o “rico” na visão
fútil, mas detentora do poder. No Festival de Paulínia 2014 levou Melhor
roteiro, melhor ator coadjuvante para Marcello Novaes,
melhor atriz coadjuvante para Clarissa
Pinheiro e o prêmio Especial do Júri para o diretor Fellipe
Barbosa. Já no Festival de Palmares, em Toulouse, ganhou três
prêmios: Prêmio de público, prêmio de crítica internacional (FIPRESCI) e prêmio
de crítica francesa. Exibido no Festival de Rotterdam e no Festival do Rio
2014.