Por Fabricio Duque
Direto do Festival de Berlim
14 de Fevereiro de 2016
O filme português “Cartas da Guerra”, do realizador Ivo M. Ferreira (de “Águas Mil”, “Vai com o Vento”), que integra a competição oficial do Festival de Berlim 2016, é mais uma produção da O Som e a Fúria, “especializada" em um cinema mais autoral, em que a experimentação da narrativa (contemplativa, de poesia melancólica-existencial-adjetivada à moda do poeta Fernando Pessoa), preocupa-se com a técnica, invenção, idealismo cinematográfico e não com a bilheteria propriamente dita. A narração, por interpretação verbal das cartas, reverbera o tom de pureza detalhista, quase de uma sincera-ingênua “verdade” sensorial, de definir realisticamente “gestos”, objetos e sentimentos. Há a perspicácia analítica sobre as coisas quase como a de uma sensibilidade infantil que não possui reservas e limites para se comportar. Há uma “inocência”, uma “forma neo-realista que fascina”. Há o “ultra" romantismo, personificado em palavras e na ambiência-transparência ao espectador. por observações características do próprio elemento amor, que nas palavras do diretor, ditas na Coletiva de Imprensa, “é uma âncora e faz manter o percurso”. É um filme que é simplesmente. Baseado no livro "D’Este Viver Aqui Neste Papel Descripto”, de António Lobo Antunes (o personagem principal interpretado por Miguel Nunes), “Cartas na Guerra” cria a sensação psicossocial da epifania realista, que foge com o núcleo-personagem de Ricardo Pereira, que fornece um humor suavizado à trama em “jogos de palavras". As metáforas estão mais concretistas que em inferência, quando explicita paralelos de livros revolucionários (“A vitória é certa”) e sobre os insetos que “lutam pela própria sobrevivência”. A trilha sonora tem também um papel importante, quando transforma a percepção em um ato final de ópera. Hipérbole, catarse e efeito definidor de um futuro não existente. “A guerra é um erro formidável”, diz-se com uma “ingenuidade” tão resiliente que é “uma forma educada de chamar de estúpido”, em hipnóticos “travellings”, que resumem exatamente o período vivenciado, lembrando e muito “Os Campos Voltarão”. “Se vai morrer, morre aqui mesmo”. Enlouquecem, aceitam que “chove lentamente em seus peitos”, a melhor tradução para a “tristeza e a desgraça”. E a redenção que vem em melodia repetitiva a La “Príncipe do Deserto”. “Foi esta guerra que acabou com a ditadura de Portugal”, finaliza Ivo, um “romântico inveterado”, mesmo com as dificuldades de se filmar em Angola. Recomendado.