Por Fabricio Duque
Direto do Festival de Cannes
12 de maio de 2016
Toda e qualquer cobertura de todo e qualquer festival de cinema internacional (e nacional) faz com o responsável credenciado busque no mais íntimo de seus limites adaptações físicas e psicológicas. São cinco horas de fuso horário que desnorteiam até os mais “auto-controladores”. O desgaste da mudança brusca (neste caso os brasileiros), logicamente, não é percebido de imediato, e sim desenvolvido pela constância falta de sono e de nutrientes alimentícios no corpo humano. É esperado os efeitos colaterais, até porque um cinéfilo-jornalista conhece a compulsão por filmes de outro jornalista-cinéfilo. Alguns talvez não sejam humanos, outros devem, literalmente, ter pacto com um “poderoso deus”, outros talvez consumam a pílula de estímulo cerebral “descoberta" no filme de Bradley Cooper, outros competitivos demais (na melhor forma estrutural americana de ser), outros provavelmente tomam outros misteriosos remédios. Sim, a palavra substantivo adjetivado "outro" é o definidor básico e essencial de todo o processo. Não negarei que a pressão de uma cobrança, “criada" por nós mesmos, reverbera no mais enganador estágio do achismo.
Escrever estas linhas é uma forma terapêutica de ambientar, de extravasar ansiedades e expurgar preocupações ao vento do mar Mediterrâneo, até porque lidamos com particularidades idiossincrasias de potencialidades expostas. Traduzindo, são loucos individualizados, que falam sozinho, que correm para entrar primeiro em um cinema de dois mil lugares, que atravessam (furando) sorrateiramente as filas. Sim, o outro é o material bruto e também o calvário.
Outras adversidades são regradas, como as constantes minuciosas revistas do próprio Festival, que vê em qualquer um um potencial “terrorista da comida”. É terminantemente proibido comer nas salas de cinema, e este ano, toda e qualquer barra de cereal e ou uma inocente banana viram “armas”. Sim, a repetição destas ações vai cansando o já cansado jornalista. É aparato de segurança demais de sessão à sessão (sem relaxamentos), que “alimenta" a neurose e o medo iminente de um ataque das “frutas”.
Sim, aprendemos a “mudar”, a “pagar” com a mesma ação a fim de burlar multidões, e assim nossos princípios morais são deturpados. Bem-vindo ao Primeiro Mundo globalizado! Contudo, nem tudo é perdido. Pelo contrário, Cannes é uma experiência enriquecedora e culturalmente incrível. Como olhar ao redor, observar, reparar nas entrelinhas e nos típicos comportamentos reais (quando ninguém está olhando) das pessoas. Por exemplo, os funcionários da área da limpeza, que esvaziam os lixos e recolhem os sacos com a “obrigatória" comida e bebida deixada por seus espectadores, e quase como uma prática comum, esses lixeiros “colecionam” itens como se fosse um supermercado de graça e à céu aberto. Em uma das cenas, um deles tirou maças, lavou-as com água com gás deixada no próprio lixo e guardou em uma caixa para consumo próprio (e para dividir os “achados” com seus companheiros de trabalho). Em outra, comiam barras de cereal com o restante de um suco concentrado em uma caixa. É exatamente isso que faz o festival acontecer. Olhares particulares e únicos captados da multidão em surto cinéfilo, enlouquecida e demasiadamente fora de suas regras de educação social. Salve-se quem puder!
E para finalizar esta primeira parte é inevitável o cansaço. Dormir pouco, processos sistemáticos, ter que estar com a inspiração a todo vapor. Sim, faço o que posso e o que o Festival de Cannes permite (com algumas perdas que fazem parte de qualquer cobertura jornalística-crítica). Até agora, está tudo lindo! "So Far, So Good"! E olha que ainda não chegou Xavier Dolan, Kleber Mendonça Filho, Eryk Rocha e outros queridos.